terça-feira, 19 de maio de 2009

Reciclando

UM QUÊ DO LIXO, QUE HÁ NO LUXO - UM QUÊ DO LUXO QUE É LIXO)

“RECICLANDO IDÉIAS”

... Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: - amo os restos, como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática. Só uso a palavra para compor meus silêncios”.
(Sandra Corazza)

Esta referência poética me leva à reflexão do que me traz aqui.
Como psicóloga que sou há 26 anos, vivo em busca de significados, tentando decifrar o motivo de vivermos de forma tão conflituosa. Antes, a nossa organização psíquica se fundava a partir de identificações simbólicas com modelos, autoridades, mitos; e a nossa divisão interna se dava pela perda do vínculo originário. O desconforto causado por essa falta, era o motor que possibilitava a emergência do desejo. Para tentar satisfazê-lo, íamos em busca de um objeto que pudesse substituir o que nos faltou. Mas... o que mudou então ?. Por que motivo isso não se dá mais dessa forma ?
Parece que todo o progresso que conquistamos, não nos trouxe mais felicidade. Pelo contrário, fêz-nos reféns de um mundo de imagens oscilantes, incapazes de nos trazerem referências estáveis ou modelos confiáveis. Órfãos de autoridades e de bons modelos para serem imitados, restou-nos um desamparo total. Ao mesmo tempo, tornamo-nos egoístas e auto centrados, preocupados somente em atender aos nossos próprios desejos. Com o estímulo dos meios de comunicação criou-se a necessidade de consumir de forma compulsiva e conseqüentemente oferecer todo o tipo de objetos, na tentativa de satisfazer a todas as demandas possíveis. Isso só descortina a fragilidade de nossa construção psíquica atual, onde já não há mais lugar para um objeto simbólico (o que ocupa o lugar do que não é). Também as relações pessoais ficaram subordinadas a esse corolário, (o uso de objetos ou de pessoas para a busca de satisfação a qualquer preço). Conseqüentemente, a ausência de limites e o excesso de consumo, trouxe-nos a ilusão de completude e felicidade, e ao mesmo tempo uma dependência a esses objetos. Hoje o desejo é mantido não por um ideal a atingir (uma falta simbólica) mas pela inveja causada pelo que o outro possui. Consume-se objetos e pessoas com a mesma voracidade, e descarta-se quando não são mais úteis. Isso produz um lixo excessivo e uma enorme poluição do meio ambiente.
Porém é preciso oferecer resistência a esta forma de viver e não se sujeitar a essas exigências de consumo exagerado.
Foi a partir dessas reflexões que tentei tomar um caminho inverso; desfazer-me do lixo, transformando-o em algo aproveitável. Levantei então as seguintes questões:





- O que posso fazer para que o descartável, o descartado, o aparentemente inútil possa se tornar útil ?
- Como propor, através de atividades práticas, uma nova forma de lidar com o desperdício, com o excesso de objetos em nosso lixo ?
- O que pode ser produzido através da utilização de tudo o que excede, o que sobra, a
fim de que essa tarefa também proporcione modificações na nossa forma de encarar
a realidade ?
Lembrando Deleuze:
“Nada é mais perturbador que os movimentos incessantes do que parece imóvel”.
Fui tocada então por uma vontade imensa de criar, produzir algo útil e funcional, com
o material encontrado nesse lixo inútil.
Perguntei-me então:
- Como agregar valor a um material desvalorizado como o PET e as caixinhas de leite ?
- Como criar objetos capazes de produzir espanto e suspense pelo inusitado ?
- Como despertar curiosidades através de objetos aparentemente insignificantes, mas potencialmente capazes de se transformarem em outras configurações e outras interpretações ?
O ofício de tomar um objeto com uma dada finalidade e criar um outro com outra
utilidade, tem a ver com arte, com criação; tem a ver com movimento, metamorfose.
Tem a ver com o inédito, com o inesperado. E conseqüentemente é um convite à
fantasia, ao sonhar acordado.
... “a gente foi criado em um lugar onde não tinha brinquedo fabricado.
Isto porque a gente havia de fabricar os nossos brinquedos... Vi que tudo o que o
homem fabrica vira sucata... Só o que não vira sucata é ave, árvore, rã, pedra”...
(Sandra Corazza)
Através de operações de desmontagem / montagem, decomposição /
recomposição, vi que é possível criar significados novos que possibilitem ver o mundo
através de outras perspectivas (de um efeito nocivo do PET, de poluir a natureza
por longos 100 anos, em virtude de sua resistência; pode-se tirar dessa mesma
característica um efeito positivo, ao fazê-lo parecer com o metal, e portanto torná-lo
mais valioso).
Nesse espaço, apresento a vocês o resultado de minhas criações.
Que essa tentativa de desdobrar significados possa tocar as pessoas, e motivá-las a
se recriarem, através de suas possíveis produções.
Apesar de saber que hoje o valor das imagens substitui o valor das palavras,
espero que esses objetos inusitadas que criei, reforcem a minha fala, o meu particular,
e ao mesmo tempo sejam estímulo para o surgimento de novos significados , e
conseqüentemente, de novas formas de ver o mundo.
... E novas possibilidades de sonhar... fantasiar... criar...
“É preciso falar da criação como traçando seu caminho entre impossibilidades”.
(Deleuze) Vanessa Belisário -